Krretta
“Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
Quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
Eu sinto saudades...
Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis!
De que amamos muito o que tivemos
E lamentamos as coisas boas que perdemos ao longo de nossa existência...”
Clarice Lispector
Algumas pessoas não sentem saudades.
Eu tenho saudades.
Não sou daqueles que veem nas lembranças um tempo passado e, que, em nada ajuda a presente caminhada, em busca de um incerto futuro.
Não sinto um passado que atrapalha, que é amargo, que faz parar o tempo e o atrai, que pensam fazer recuar a máquina da vida; talvez uma breve melancolia, talvez sim, mas não por ter sido ruim, mas justamente pelas recordações tão boas que nos deixam estas tais alegres lembranças.
Tenho saudades sim da minha infância, embora os tempos difíceis, mas honestos, batalhadores, responsáveis, repletos de belos exemplos e de grandes ensinamentos, de sublimes conselhos e princípios morais.
Da calça de brim coringa, as “Far West”, com pelúcia quadriculada por dentro e as barras dobradas, suspensório de couro, camiseta, camisa, blusão da lã e, uma “campeira”.
Era inverno.
Presentes de Páscoa e de aniversário eram roupas, brinquedos só no Natal.
Eu tenho saudades sim de ganhar uma barra de chocolate, umas “galochas” e um guarda-chuva, sendo que o desejado era umas botas “Sete Léguas”, mas...
Eu tenho saudades do colégio primário, do uniforme branco e gravata azul-marinho, do caderno para todas as matérias e um bloco para matemática, um lápis e uma borracha, da régua e apontador, do estojo de madeira com a tabuada, e, nada disso me entristece.
Das tardes outonais, ensolaradas e do futebol na calçada da Usina, depois dos temas do colégio, e, os bicos dos sapatos furados, destinados especialmente para o esporte bretão.
As noites de verão, enquanto não chegava às dez da noite, o esconde-esconde, polícia-ladrão, corre-corre, um quarteirão inteiro, e, depois, uma caminhada até o posto de gasolina para comprar um picolé Kibon de uva, para refrescar.
Eu tenho saudades.
Dos amigos que nunca mais vi, das noites que varamos em conversas adolescentes pelas esquinas de Bagé, naqueles tempos de nenhum temor, nada a assustar, somente saborear as claras madrugadas e, aspirar as suas lições.
Daquilo que não aproveitei.
Tenho saudades ate mesmo do presente que não vivi e, quiçá, do futuro que não estarei aqui para ver.
Tenho saudades dos que me deixaram, dos que não consegui dar um aceno de adeus, um abraço sincero, até mesmo daqueles que passaram por mim, e, mesmo sem os conhecer, lhes dei um bom-dia, mas nunca mais os vi.
Tenho saudades das minhas bolinhas de gude, do meu pião, do patinete vermelho que tive, tenho saudades do violão azul, da minha bicicleta comprada com a mesada, tenho saudades do meu rádio portátil, do gravador, da lanterna para ler embaixo dos lençóis, daquele guarda-chuva e da galocha, sabe mesmo, tenho saudades dos tempos pequenos e da minha gente.
Do Seu Chico e da Dona Iolanda, todos nós juntos!
Eu sinto saudades.
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