quinta-feira, 29 de agosto de 2019


BOM DE CORDA!

                                                                                Krretta

        Naquela época, os rodeios na vizinha e pujante cidade de Dom Feliciano, eram verdadeiras festanças.
        Confesso que estou muito desatualizado das festividades campeiras, de agora, por lá.
        Mas, naqueles idos anos eram muito famosos e, lembro: se deslocavam verdadeiras caravanas daqui e de todas as cidades circunvizinhas.
        Pois a história que passo a contar se deu por aqueles pagos e, justamente naqueles tempos, com plateias recheadas de famílias inteiras acampadas a beira da pista e, na escuta atenta ao narrador do rodeio.
        Dia desses, inclusive, li por aí que uma menina foi consagrada através de curso junto ao MTG, com a habilidade para narradora de rodeios e que desenvolvia muito bem o seu ofício, mas que ainda o machismo dentro do gauchismo é uma coisa muito presente e, portanto, dão-lhe poucas chances...
        São problemas, ou melhor, são princípios que ainda precisam ser trabalhados, para que também as nossas tradições evoluam ao tempo de agora, adaptando as suas regras à nossa sociedade e, mantendo, com toda a certeza, intactas as tradições, sem ferir a sua linda história.
        Sabem todos que narrador de rodeio é algo que exige conhecimentos, responsabilidade, rapidez de raciocínio, bom humor e, além de tudo isso, muito boa dicção, caso contrário a festa fica capenga.
        É ele quem anima os espectadores, é ele quem dirige o espetáculo, é ele quem conduz os trabalhos e deve ser célere para não prejudicar o bom andamento do rodeio.
        Não é pouca coisa não.
        Inclua-se aí, ter calma e ser polido.
        Nunca falta um “cuscuio”, por uma porta aberta na hora errada, por o ginete não estar pronto, o laço estar enredado, e tantas outras adversidades que, só quem esteve na lida sabe bem como é.
        É bem verdade que, enquanto os outros se divertem, o narrador trabalha, e como trabalha.
        Além de tudo, ainda tem os patrocinadores, que volta e meia reclamam que não estão sendo citados, que o concorrente está levando vantagens, que precisa falar assim assado, etc., etc., etc.
        Mas tchê, então o rodeio corria solto, saída de verão, sol forte e muita, mas muita poeira na pista, suador correndo pela espinha, camisa já amarelada e molhada, testa pingando, chapéu preto e de feltro...
        Mas a festa não podia parar, era preciso chegar ao seu fim, naquela tarde ensolarada de sol ardente, depois um bom banho, um chimarrão na sombra do acampamento e, é claro, não sejamos tão certinhos assim, uma boa cervejinha gelada, no anoitecer.
        Era sábado e o baile, com toda a certeza, ia estar lotado.
        Eis que, então, o narrador chama o próximo ginete para cumprir o seu tiro de laço:
- Bueno gurizada medonha, vamo tocando o rodeio, não vamo deixar à tardinha nos pegar na pista, quem ainda não se aprontou vá se aprontando, vão se providenciando, precisamo agilizar, e eu conto com a colaboração de vocês...!!!
- Chega prá diante, Seu Neto, a porteira é sua, a cancha é sua, não se acanhe, aqui todo o mundo é de casa, peça porta e já lhe damo, peça porta é já lhe entregamo a rês, tudo com o senhor, o senhor é quem manda, o senhor é quem pede, o senhor é quem diz e nós obedecemo...!!!!
- Bueno, aí se foram!!! Aí está o Seu Neto em sua colorada muito boa de estado, trabalhando na pista para esticar a sua corda...!
- Não deixa escapar Seu Neto, chegue junto...chegue junto seu Neto!!
- A vaca é ligeira, é muito arisca, corredeira que nem veado, muito boa de guampa e o senhor também é... quer dizer...BOM DE CORDA...que lhe falo sem frescura!!!
        E a risada foi geral e por muito tempo, assunto de todo o resto do rodeio...
        Assim me contaram.
       
       
       



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