quinta-feira, 26 de dezembro de 2019


ESPÍRITO DE NATAL

                                                                                                                                                                                                           Krretta

Há muito tempo atrás, por estas horas, eu já não continha mais a ansiedade.
O banho seria mais cedo e, depois, como de praxe, passearíamos pela Avenida Sete de Setembro, em Bagé, donde as vitrines das lojas expunham os mais lindos brinquedos, enfeitadas de muito brilho, muita luz e cantigas natalinas a tocar.
Brincávamos de escolher os presentes que, naquela noite, Papai Noel iria nos trazer.
A magia de nos iludirmos era qualquer coisa de encantamento da vida, nesta época do ano.
Sabíamos que era impossível a realização dos nossos sonhos, mas o espírito natalino fazia com que não pensássemos desta maneira, ao contrário, que um milagre poderia acontecer, por que não?
As calçadas eram repletas de pessoas e crianças a buscar naquelas vitrines, atraídas pelos seus coloridos, os sonhos sustentados durante um ano inteiro.
Via-se em cada olhar, em cada semblante, a felicidade de estar vivendo aqueles momentos, e sim, a vida também ficava bem mais colorida, bem mais feliz, alegre por excelência.
Não perdíamos uma só oportunidade de gritar, a plenos pulmões, que tínhamos visto por primeiro aquela bicicleta sonhada em todos os natais, a bola de couro número 5 por tanto tempo desejada, até mesmo um violão, o qual sempre foi o meu desejo na infância e, frustração quando pude comprar e até hoje não sei tocar.
Papai Noel me inspirou, mas não fui contemplado com o talento de ser violeiro, afinal, nem tudo é perfeito nessa vida...
Contudo, tínhamos amor, muito amor em nossa família e jamais passava pelos nossos pensamentos, o possível e distante dia de nossas separações.
Caminhávamos descontraidamente, pois a noite seria longa, havíamos saído cedo, e a casa da minha avó seria o nosso destino final, quando nos encontraríamos com os tios, as tias e os primos.
A festa estava garantida, então, o mais que poderíamos fazer seria curtir, e muito, o passeio nas calçadas festivas de Bagé.
A verdade é que o Natal nos comovia, pelas cenas de felicidade que víamos, pelas árvores de natal, pelos presépios com a manjedoura, os animais ali representados e o respeito egrégio ao recém-nascido, Menino Jesus.
Havíamos aprendido desde a tenra infância de que o Aniversariante daquela data havia nascido pobre, humilde, de muito poucas posses, numa estrebaria entre animais, com José e Maria.
Mas que simbolizava muito amor, muita solidariedade, compreensão, exalando ternura e bondade trazidas na sua alma e no coração.
Aprendemos, em primeiro lugar e antes de tudo, a amá-lo e respeitá-lo sobre todas as outras coisas.
Hoje, desapareceu o Menino Jesus e, em seu lugar tomou posse o Papai Noel, que reina absoluto, tendo clones em todos os lugares que se possa imaginar.
A sociedade de consumo matou o espírito de Natal.
A mensagem única que se escuta e que se vê não admite discussões, ou seja, a palavra de ordem é comprar para presentear e, atender desejos circunstanciais, tal qual a brincadeira dos amigos secretos, nesta singular noite de outros sentimentos.
Tudo se distanciou.
Perdi na poeira do tempo as minhas calçadas repletas de gente feliz, as vitrines coloridas, iluminadas, as cantigas que falavam de um amor incondicional, os imaginários presentes que nunca aconteceram, mas não o respeito, a devoção e a fé naquele que aos 33 anos de idade, foi preso, vilipendiado, torturado e, finalmente morte sob o poder de Pôncio Pilatos.
Perdemos as mensagens de amor e a oração, por meras corridas às compras, para presentear por hábito ou obrigação social.
Que Menino Jesus nos perdoe...




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