quarta-feira, 8 de agosto de 2018



UM JARRO DE ESTIMAÇÃO

                                                                                                
 Krretta

        
Sei lá quantos anos de vida tinha aquele jarro.
         A única certeza que tive depois, é que ele era de grande estimação.
         Habitava uma fonte, na beira do Abranjo, e servia para retirar a água, mas, com toda a certeza, em tempos primórdios, haveria de ter tido destaque e uma mesa de centro de um solar, com rosas, lírios dálias ou, ter vivido em cima de uma penteadeira, rodeado de perfumes importados, ruges e batons.
         Seria ele componente daquele conjunto que existia antigamente, nos quartos das estâncias e fazendas, embaixo de um tripé, que em sua extremidade fazia descansar uma decorada vasilha branca, com adornos florais...?
         Era usada para lavar as mãos e o rosto, pelos sinhozinhos e patrões.
         Sinceramente, me ponho a pensar por onde aquele jarro poderia ter andado, e qual a história dele que o fez morar a beira de uma fonte, nas sombras dos “çoitas”, angicos e corticeiras. . .
         Que silêncio profundo vivia agora o adorno, que foi alvo dos olhos abastados e orgulhosos, das madonas, pela ostentação da peça?
         As companhias da água, sapos e folhas secas das guajuviras lhes eram o consolo de um passado de glória, talvez.
         Quantas noites de frio, ao relento, nos invernos rigorosos foi testemunha, para ser aquele quem conduziu a água que saciava a sede dos incautos, nos tórridos verões ribeirinhos.
          De formas arredondadas, trazia na sua estampa, cicatrizes de um trato nem um pouco condizente com a sua “realeza” de outrora.
         Eram amassados, afundamentos em seu corpo que, por sua simplicidade de hoje, não atraía maiores cuidados.
         A velha sina de quem já serviu, e hoje, não serve mais.
         Não, mas o jarro ainda desempenhava o seu fundamento de ser jarro, ainda abrigava em seu âmago, a água, sua eterna companheira, sem nem nunca contestar, muito pelo contrário, amar a sua parceira.
         Afinal de contas, nasceu para viver com ela, não longe de quem lhe dava função e vida.
         A água.
         Vida longa ao jarro!!
         ...ou a água...?
         Ambos.
         E, em toda esta história, havia quem lhe dedicasse somente o bem, muito bem, e quem lhe dava o devido valor, ao contrário dos visitantes, que sempre estiveram alheios aos olhos da história, da vida, da estima e consideração por aquele jarro.
         Sei lá, mas falta nas pessoas a sensibilidade de que, por mais que o jarro pudesse transparecer um objeto abandonado, não, ele não era, queiram saber.
         E tudo isso poderia ser a causa de uma desarmonia familiar, e tudo isso foi quase o fim do início de uma outra história de amor.
         Não! Não da água pelo jarro, isso não, pois aí estamos falando de um amor eterno.
         Estou falando do pretendente a genro do dono daquela propriedade, naquela época, e totalmente desconhecedor do fervoroso sentimento afetivo do seu futuro cunhado pelo jarro.
         Pois não é que o cara resolveu fazer tiro-ao-alvo no jarro???
         Senhor! Misericórdia! Socorro! Pelo amor de Deus! Não!!
         Foi a primeira vez que o pretenso genro e cunhado foi naquela casa, e teve a “gerica” ideia de fazer mira no precioso jarro, sendo que ganhou, não um prêmio pelo sua pontaria ruim (ainda bem!), mas sim, um dedo em riste pelo abuso e insensibilidade com aquela peça preciosa, de uma história de glórias e panegirícios .
         Salve-se o jarro de estimação!
         Hoje, dele não sei mais, contudo, é bem provável que seguiu a sua sina de servir a sua amada água aos mortais, até, quem sabe um dia, ter encontrado a enchente que jogou-o ao rio, e por uma longa viagem, foi habitar a imensidão do infinito, junto de seu imutável amor, na companhia eterna das estrelas-do-mar.
-:-
        
        
          

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