UM JARRO DE ESTIMAÇÃO
Krretta
Sei lá quantos anos de vida tinha aquele jarro.
A única certeza que tive depois, é que
ele era de grande estimação.
Habitava uma fonte, na beira do
Abranjo, e servia para retirar a água, mas, com toda a certeza, em tempos
primórdios, haveria de ter tido destaque e uma mesa de centro de um solar, com
rosas, lírios dálias ou, ter vivido em cima de uma penteadeira, rodeado de
perfumes importados, ruges e batons.
Seria ele componente daquele conjunto
que existia antigamente, nos quartos das estâncias e fazendas, embaixo de um
tripé, que em sua extremidade fazia descansar uma decorada vasilha branca, com
adornos florais...?
Era usada para lavar as mãos e o rosto,
pelos sinhozinhos e patrões.
Sinceramente, me ponho a pensar por
onde aquele jarro poderia ter andado, e qual a história dele que o fez morar a
beira de uma fonte, nas sombras dos “çoitas”, angicos e corticeiras. . .
Que silêncio profundo vivia agora o
adorno, que foi alvo dos olhos abastados e orgulhosos, das madonas, pela
ostentação da peça?
As companhias da água, sapos e folhas
secas das guajuviras lhes eram o consolo de um passado de glória, talvez.
Quantas noites de frio, ao relento, nos
invernos rigorosos foi testemunha, para ser aquele quem conduziu a água que
saciava a sede dos incautos, nos tórridos verões ribeirinhos.
De formas arredondadas, trazia na sua estampa,
cicatrizes de um trato nem um pouco condizente com a sua “realeza” de outrora.
Eram amassados, afundamentos em seu
corpo que, por sua simplicidade de hoje, não atraía maiores cuidados.
A velha sina de quem já serviu, e hoje,
não serve mais.
Não, mas o jarro ainda desempenhava o
seu fundamento de ser jarro, ainda abrigava em seu âmago, a água, sua eterna
companheira, sem nem nunca contestar, muito pelo contrário, amar a sua parceira.
Afinal de contas, nasceu para viver com
ela, não longe de quem lhe dava função e vida.
A água.
Vida longa ao jarro!!
...ou a água...?
Ambos.
E, em toda esta história, havia quem
lhe dedicasse somente o bem, muito bem, e quem lhe dava o devido valor, ao
contrário dos visitantes, que sempre estiveram alheios aos olhos da história,
da vida, da estima e consideração por aquele jarro.
Sei lá, mas falta nas pessoas a
sensibilidade de que, por mais que o jarro pudesse transparecer um objeto
abandonado, não, ele não era, queiram saber.
E tudo isso poderia ser a causa de uma
desarmonia familiar, e tudo isso foi quase o fim do início de uma outra
história de amor.
Não! Não da água pelo jarro, isso não,
pois aí estamos falando de um amor eterno.
Estou falando do pretendente a genro do
dono daquela propriedade, naquela época, e totalmente desconhecedor do fervoroso
sentimento afetivo do seu futuro cunhado pelo jarro.
Pois não é que o cara resolveu fazer
tiro-ao-alvo no jarro???
Senhor!
Misericórdia! Socorro! Pelo amor de Deus! Não!!
Foi a primeira vez que o pretenso genro
e cunhado foi naquela casa, e teve a “gerica” ideia de fazer mira no precioso
jarro, sendo que ganhou, não um prêmio pelo sua pontaria ruim (ainda bem!), mas
sim, um dedo em riste pelo abuso e insensibilidade com aquela peça preciosa, de
uma história de glórias e panegirícios .
Salve-se o jarro de estimação!
Hoje, dele não sei mais, contudo, é bem
provável que seguiu a sua sina de servir a sua amada água aos mortais, até,
quem sabe um dia, ter encontrado a enchente que jogou-o ao rio, e por uma longa
viagem, foi habitar a imensidão do infinito, junto de seu imutável amor, na
companhia eterna das estrelas-do-mar.
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