terça-feira, 22 de março de 2011

O MEU BODOQUE

Krretta
hcarretta@yahoo.com.br

A melhor forquilha tinha que ser de goiabeira, raspada a canivete.
Muitas vezes a modernidade suplantava as características primordiais, e, em lances de que se valiam da escassez de goiabeiras nos quintais repleto de arvoredos nas casas, e, com alguma criatividade, um arame denso, mas maleável, era o suficiente para se criar uma forquilha.
Câmara de pneu de bicicleta.
Tiras não tão finas e nem tão grossas, também era preciso.
Medida certa para que tivessem um bom desempenho no esticar, sem que fosse necessário empregar muita força, o que fazia a forquilha tremer, e, por consequência, estragar a mira.
Ainda bem que naquele tempo as oficinas de bicicletas eram em profusão, e, sempre estavam lotadas de serviços, sendo o que mais faziam era consertar pneus furados.
Engraçado, será que os pneus das bicicletas modernas furam tanto quanto furavam os de antigamente?
É claro que haviam outros serviços como a troca de algum raio, a substituição das borrachas (balacas) do freio, as esferas do cubo, mas, o que faziam nossos olhos brilharem eram os acessórios.
Contudo, deixemos os acessórios para uma outra oportunidade.
Com a câmara de ar na mão, uma boa tesoura se fazia necessário para o corte das tiras, parelhas no cumprimento e iguais na largura.
Um bom bodoque também requer ótima aparência, além, é claro, de ter que apresentar um ótimo desempenho.
Quase pronto.
Então, é a vez do sapateiro.
Um “côrinho”.
O que significava um pedaço pequeno de couro, de 6 a 8 cm, dependendo do tamanho da forquilha, o que tinha que ser compatível.
O couro é onde se abrigam as munições antes de serem lançadas, ou, ao vento, ou...
Aliás, me dou conta de que o bodoque nada mais é do que uma forma estilizada da medieval catapulta, porém, mais veloz, incisivo e certeiro.
Imaginemos que sim.
Ou alguém se importaria com esta comparação?
Pois bem, então, agora, é só montar o bodoque.
Importante: as tiras precisam estar bem amarradas, e, para isto, estica-se as borrachas (tiras), o máximo que puder, e, só então se amarra, tanto na forquilha, quanto no “côrinho”.
É preciso que se diga que o “côrinho”, também era feito, ou melhor, era utilizado, das línguas de sapato velho, é claro.
Você sabe o que é uma língua de sapato?
A língua de sapato é... perguntem aos mais velhos, aqueles que usaram sapatos com línguas, o Passo Double, por exemplo.
Agora me surgiu uma dúvida: tênis tem língua?
Deixemos as papilas fungiformes, foliáceas, circunvaladas, filiformes, etc., etc., etc., de lado.
Assim se faziam os bodoques, e, não eram usados para matar passarinhos, como muitos estão pensando, serviam, também, para tiro ao alvo, guerrear com outras turmas, derrubar alguma fruta madura mais alta, quebrar por ventura, ou aventura, alguma vidraça, competir em distância com outros bodoques, de preferência num açude, entre outros fins.
... estava escutando Tropa de Osso, deste sensível e excepcional poeta, Humberto Gabbi Zanatta...
“...o meu bodoque e o banho no açude,
Foram na infância minha vida verdadeira!”

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