segunda-feira, 13 de abril de 2020


CHEIRO DE VÓ

                                                                                                               Krretta

         Nestes dias de quarentena, de algumas reflexões e muitas lembranças, nos dão a dimensão de que realmente o tempo é impiedoso na sua trajetória.
         Verdadeiramente, o tempo não para, mas, nos dá a chance de lembrarmos das boas saudades.
Quantos, assim como eu e, por esses dias, estão sentindo estas saudades?
         Estamos vivendo um tempo (reclusos) em que estas recordações ficam mais latentes, e nos remetem com muita felicidade ao passado.
         Viajar nestas lembranças fazem com que nos sintamos mais próximos das pessoas queridas que já habitam outras esferas, outros mundos, mas, mesmo assim, por longos e alegres momentos estão junto conosco.
         Tenho especial carinho por estes pequenos encontros.
         É o que nos resta enquanto não temos a dimensão de tudo o que ocorre a nossa volta, ou, por outra, estamos com medo.
         “A morte não é a nossa perda maior. Nossa perda maior é o que morre dentro de nós enquanto vivemos.” - Norman Cousins – jornalista
         Por isso é que convivemos mais alegremente entre estas maravilhosas recordações, porque sentimos que nos fazem bem.
         Nos fazem ter a certeza de que, embora as dificuldades que passamos, tivemos momentos intensos e felizes junto de nossas pessoas queridas, estimadas e veneradas, lá na nossa infância.
         Todas estas reminiscências são lenitivos para a alma e o coração.
         Traz calma, ternura, amor aos nossos dias.
         Somos gratos por isso.
         Principalmente porque tivemos a Casa da Vó.
         A Casa da Vó era uma casa cheia.
         Cheia de amor, cheia de carinho, cheia de afeto, cheia de pessoas alegres e de muita amizade.
         A Casa da Vó tinha galinha no terreiro, tinha horta no quintal, tinha flores nos jardins, a Casa da Vó tinha batata frita na volta do fogão antes do almoço, tinha a novela O Direito de Nascer no rádio valvulado Zenith...
         ...cafuné no colo macio e terno, tinha mesa cheia e muita algazarra, encontro de primos, as “artes” aprontadas, tinha banho de tanque no verão, uma parreira cheia de cachos de uva preta e muito doces, tinha pereira e pessegueiro, e um butiazeiro que certa feita me levou ao hospital depois de comer um cacho inteiro.
         Tinha todos os dias o aroma e o café da tarde, junto com as filhas e os netos, e a caderneta do armazém do seu Orozimbo, para comprar balas e pirulitos...para nós...
         A Casa da Vó tinha uma poltrona grande, de cor de abóbora que era o trono da matriarca, e que num tempo passado foi a casamata e o descanso do vô Marcínio, quando por incontáveis vezes sentei com ele para fazer palavras cruzadas do Correio do Povo.
         Sei lá, mas acho que foi daí que tomei gosto pelas “escritas”...
         A Casa da Vó tinha a Nena, sua irmã solteira e nossa tia-avó, que era a administradora geral daquele refúgio encantado, daquele castelo enfeitiçado pela magia do amor, com sua imensa bondade, sua paciência, seu carinho e sua dedicação a toda a família.
         A caderneta do armazém? Era ela quem liberava! Viva a Nena!
         Que saudade da Neninha.
         A Casa da Vó tinha o seu cheiro.
         Cheiro de Vó.
         Esta peculiaridade ímpar que ficou gravado numa memória distante dos saudosos cheiros da infância.
         Meu pai, o Chico, gostava muito do cheiro das flores de jasmim.
         Costumo dizer que todas as vezes que sinto este cheiro no ar, o seu Carreta está do meu lado; desceu para conversar e me aconselhar...
         Por muitas vezes sinto o cheiro de Vó.
         Na fritura das batatas, nas flores de algum jardim, nas parreiras tomadas pelos cachos de uvas pretas, em um café da tarde, num verão e um tanque cheio...
         A Vó Marieta tinha cheiro de talco, de maçãs e alfazemas, cheiro do perfume do amor, do carinho, a Vó Marieta tinha cheiro da ternura...
         ...tinha o cheiro divino de Deus.




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