NEM TUDO SERÁ FESTA...
Krretta
Este texto, embora doloroso em sua
criação, nasce para uma reflexão de todos nós, que fizemos parte de uma
sociedade abandonada...ele recorda um passado e nos joga violentamente para a
crueldade dos dias atuais.
“Até hoje ainda não esqueci dos meus natais de
infância, quando meu pai se transmutava em Papai Noel, e, transformava as
noites de Natal na família, numa imensa alegria.
Nem eu e nem vocês, de cãs brancas,
deixam de abrir os escaninhos da memória por estas épocas, e, sentem uma certa
saudade daqueles tempos...
Era lindo passear pela avenida
principal da minha Bagé, olhando vitrines repletas de brinquedos, com luzinhas
coloridas, as ruas iluminadas com adereços do Nascimento de Jesus, e uma
multidão de crianças correndo felizes a escolher seus presentes.
Tudo era festa e congraçamento, mesmo
que os pedidos não fossem atendidos, mas, tínhamos a família ao nosso redor
para suplantar toda e qualquer frustração pela “cartinha” não atendida, e isso
não era raro acontecer.
A bicicleta era o pedido número um, mas
comigo aconteceu de nunca ela ter vindo, pois provavelmente o Papai Noel
precisava atender outras crianças, e não sobrava para mim.
Quem sabe no próximo Natal ela
fabricaria mais bicicletas... quem sabe...
Para uma criança, poxa vida, era só
esperar mais um ano... um verdadeiro suplício, mas logo em seguida, o amor, a
presença, o conforto dos pais faziam esquecer os reveses.
Eles transmitiam muita compaixão e
espírito natalino, tinham no coração a solidariedade, e isto deixava
transparecer claramente.
Amor, carinho e verdade.
A bicicleta ficaria para depois, pois o
importante era estarmos todos juntos naquele momento e poder desfrutar da noite
de Natal numa grande confraternização.
Isso era lindo demais.
Talvez nem precisasse de presentes... nunca
houve essa hipótese, mas, hoje entenderíamos perfeitamente o que significava
estar ao lados dos pais, tios, tias, primos e avós.
São coisas que jamais vamos esquecer,
que se perderam no tempo, é verdade, que tem uma boa dose de saudosismo, isso
tem, mas que é imensamente gratificante lembrar.
Um Natal em família.
E, por ter vivido esses belos momentos
com meus pais, e por recordar com grande emoção estes instantes, principalmente
pela felicidade que estava contido naqueles encontros, que não posso esquecer-me
das duas filhas do colega Rodrigo Mocelin da Silva.
Não o conheci, nem mesmo sua esposa e
também as suas duas filhas, de 10 e 6 anos, contudo, não posso imaginar como
será a noite de Natal desta família.
Esposo e pai, o Rodrigo, com 37 anos e
gerente adjunto da Agência do Banco do Brasil de Ibiraiaras-RS, foi morto
durante assalto neste mês de dezembro.
Sem entrar no mérito, pois a violência
está em todos os lugares, e como este, infelizmente deve haver outros tantos
casos, mas as duas filhas dele, a noite de Natal e a imensa tristeza que sinto,
não me deixam esquecer...
Escrevo porque neste sentimento de
tristeza está uma grande dose de indignação; indignação com o sistema, com a
indiferença, com a passividade, com a incompetência, com a submissão, enfim...
Mesmo sem ganhar a bicicleta, meu pai
vestido de Papai Noel sempre foi o grande acontecimento do Natal, uma enorme
felicidade.
É muito triste para esquecer...tudo
isso exige uma reflexão.
O Rodrigo não estará mais na sua casa,
lá, com toda a certeza, não haverá Natal
... no outro dia, a blusa escura do
Rodrigo ainda repousava sobre a mesa número três, daquela agência...
Papai Noel não virá para as duas
menininhas...”
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