quarta-feira, 19 de dezembro de 2018


NEM TUDO SERÁ FESTA...

                                                                                                     Krretta

         Este texto, embora doloroso em sua criação, nasce para uma reflexão de todos nós, que fizemos parte de uma sociedade abandonada...ele recorda um passado e nos joga violentamente para a crueldade dos dias atuais.
“Até hoje ainda não esqueci dos meus natais de infância, quando meu pai se transmutava em Papai Noel, e, transformava as noites de Natal na família, numa imensa alegria.
         Nem eu e nem vocês, de cãs brancas, deixam de abrir os escaninhos da memória por estas épocas, e, sentem uma certa saudade daqueles tempos...
         Era lindo passear pela avenida principal da minha Bagé, olhando vitrines repletas de brinquedos, com luzinhas coloridas, as ruas iluminadas com adereços do Nascimento de Jesus, e uma multidão de crianças correndo felizes a escolher seus presentes.
         Tudo era festa e congraçamento, mesmo que os pedidos não fossem atendidos, mas, tínhamos a família ao nosso redor para suplantar toda e qualquer frustração pela “cartinha” não atendida, e isso não era raro acontecer.
         A bicicleta era o pedido número um, mas comigo aconteceu de nunca ela ter vindo, pois provavelmente o Papai Noel precisava atender outras crianças, e não sobrava para mim.
         Quem sabe no próximo Natal ela fabricaria mais bicicletas... quem sabe...
         Para uma criança, poxa vida, era só esperar mais um ano... um verdadeiro suplício, mas logo em seguida, o amor, a presença, o conforto dos pais faziam esquecer os reveses.
         Eles transmitiam muita compaixão e espírito natalino, tinham no coração a solidariedade, e isto deixava transparecer claramente.
         Amor, carinho e verdade.
         A bicicleta ficaria para depois, pois o importante era estarmos todos juntos naquele momento e poder desfrutar da noite de Natal numa grande confraternização.
         Isso era lindo demais.
         Talvez nem precisasse de presentes... nunca houve essa hipótese, mas, hoje entenderíamos perfeitamente o que significava estar ao lados dos pais, tios, tias, primos e avós.
         São coisas que jamais vamos esquecer, que se perderam no tempo, é verdade, que tem uma boa dose de saudosismo, isso tem, mas que é imensamente gratificante lembrar.
         Um Natal em família.
         E, por ter vivido esses belos momentos com meus pais, e por recordar com grande emoção estes instantes, principalmente pela felicidade que estava contido naqueles encontros, que não posso esquecer-me das duas filhas do colega Rodrigo Mocelin da Silva.
         Não o conheci, nem mesmo sua esposa e também as suas duas filhas, de 10 e 6 anos, contudo, não posso imaginar como será a noite de Natal desta família.
         Esposo e pai, o Rodrigo, com 37 anos e gerente adjunto da Agência do Banco do Brasil de Ibiraiaras-RS, foi morto durante assalto neste mês de dezembro.
         Sem entrar no mérito, pois a violência está em todos os lugares, e como este, infelizmente deve haver outros tantos casos, mas as duas filhas dele, a noite de Natal e a imensa tristeza que sinto, não me deixam esquecer...
         Escrevo porque neste sentimento de tristeza está uma grande dose de indignação; indignação com o sistema, com a indiferença, com a passividade, com a incompetência, com a submissão, enfim...
         Mesmo sem ganhar a bicicleta, meu pai vestido de Papai Noel sempre foi o grande acontecimento do Natal, uma enorme felicidade.
         É muito triste para esquecer...tudo isso exige uma reflexão.
         O Rodrigo não estará mais na sua casa, lá, com toda a certeza, não haverá Natal
         ... no outro dia, a blusa escura do Rodrigo ainda repousava sobre a mesa número três, daquela agência...
         Papai Noel não virá para as duas menininhas...”

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