quarta-feira, 10 de julho de 2019


O PORÃO DE CADA UM

                                                                                                            Krretta

         Quando criança, sempre tive medo dos porões.
         Minha imaginação fértil me fez acreditar que ali habitavam seres e coisas nunca dantes vistas.
         Era o medo do desconhecido, das coisas que existiam principalmente nas mentes pueris, e que eram quase sempre ditas e ameaçadas pelos adultos.
- Não vai lá no porão que o bicho-papão te pega!
         Afinal de contas, quem é e como é o bicho-papão?
         Sim, eu sei agora, depois que a linda, doce e profícua imaginação infantil se desvaneceu, que ele poderia ter as mais diversas formas, mas que cada um, lá na tenra idade, o tinha conforme seus pensamentos assim idealizavam.
         As casas com porão eram temidas.
         Quem o habitava, sem nem mesmo se saber quem era e o que era, assustava por demais.
         Ali viviam coisas rastejantes, pessoas sem perna ou cabeça, era o habitat de seres alados que soltavam fogo pelas narinas, monstros, dragões, duendes...
         Os duendes até hoje existem e, basta sumir qualquer coisa que você tinha certeza que havia deixado em tal lugar, e, pode acreditar que é brincadeira dos duendes.
         Eles são peraltas, brincalhões e, hoje, ao meu ver não fazem mal nenhum, ao contrário, protegem seu lar, basta lhes dedicar simpatia e amizade...
         Os porões sempre foram frios, úmidos, de chão batido e que esfriavam e gelavam os pés da gente.
         Escuros.
         Normalmente não se tinha lanternas a disposição e, para iluminar os porões das nossas infâncias, entrávamos lá com velas acesas e elas, assopradas pelo bicho-papão ou pela morte, apagavam-se.
         Medo, muito medo.
         A morte, olha a morte que assopra a vela que significa a vida, dentro de um porão úmido e que sempre sopra uma brisa ligeira, mas que nunca vira viração...
         Ah, este porão que sempre tem uma porta para espiar...espiar as criaturas que lá vivem e que dão a sensação do desconhecido e do surreal.
         E roubar a chave da porta do porão e entregar ao mais corajoso, e quando ele abre lentamente a porta, de um safanão empurra-se ele para dentro e tranca a porta...brincadeira de criança, mas que geralmente gerava encrenca, e da grossa.       
         Porão que soluça convulsivamente nas noites frias e de chuvas, quando nos diziam: é o vento! Não tenham medo, é o vento.
         Na verdade, era o vento, mas para as crianças na verdade não era.
         Imaginem que lá vive a Medusa, já imaginaram?
         Um porão é um labirinto que precisa ser desvendado, mesmo que não se saiba o que vamos encontrar em cada uma das suas esquinas, o que pode ali existir, os buracos que consomem as pessoas, sei lá, o porão dá medo.
         Uma cobra gigante, de enorme boca e dentes desproporcionais, aquela língua bifurcada a oferecer-se ao nosso corpo, sim, ela pode estar por lá, naquele porão onde a chave descansa sossegada, pendurada no chaveiro da casa, mas que deixa-se balançar para o hipnotismo da nossa curiosidade.
         Mesmo a chave, dá medo.
         Ela é maior do que as outras e isso me diz que é só para chamar a atenção das crianças, e elas saberem, de cor e salteado que, aquela é a chave de um mundo diferente e de grandes desafios, a chave do medo.
         A velha chave de tamanho grande é o caminho para o escuro, para o desconhecido, a solidão, a tristeza, quem sabe a morte...com vultos, animais ferozes e horrendos, no frio e na umidade com toda a escuridão.
         Lá também poderia estar a loucura, aquela que só habita o sótão, presa na torre do castelo?
         Sei lá.
O que existe de maior do que desafiar o medo?
Eu vou escolher ser a vida ensolarada, com a brisa morna a acariciar meu tempo e meus pensamentos.


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