O
AFILHADO
Krretta
Essa aconteceu em Bagé.
A história que conto é de um amigo
do seu Chico Carretta, companheiro inseparável nos jogos de futebol, aos
domingos de tarde, no Estrela D’Alva.
Incontáveis vezes participei destas
jornadas esportivas.
O tempo da história e sua narrativa situa-se
no final de década de 1960.
Vai lá:
“Pois
ele conseguiu um afilhado que era fantástico.
Menininho
de boa índole, bem-criado, de família humilde, honesta, cujos pais empenham-se
em bem criar seus onze filhos.
Negrinho
bom de bola, ligeiro, dribles curtos, objetivo e de uma constituição física
“mirradinha”, mas que a gente tem prazer em ver jogar uma “pelada”.
Provávelmente
será um daqueles raros talentos que irão se perder, pois, com certeza, quando a
idade for avançando, o salário da família apertando, terá que largar o que
gosta de fazer, e também os estudos, para trabalhar e ajudar no sustento da
família.
Uma
injustiça, mas a vida tem nos ensinado que é assim, e ponto final.
Mas,
voltemos ao “Micuim”.
De uma
certa feita, num Baguá (clássico futebolístico entre Guarani x Bagé), num jogo
rinhado, o Micuim foi convidado pelo padrinho para ir junto, já que era a final
do campeonato citadino.
Casa
cheia, estádio completamente lotado, a Taba Índia pulsava aos gritos de ambas
as torcidas, muito agito, muitas bandeiras, charangas em plenos pulmões, tarde
de sol, um domingo de festas.
E lá se
foram o padrinho com seu afilhado...
Micuim
era muito esperto, atento a tudo e a todos, não perdia um lance, nem nas arquibancadas
e muito menos dentro do campo.
-
Padinho, quem aquele cara ali? – quando um amigo passava e cumprimentava ao seu
padrinho.
-
Padinho, por que a bandeira do Guarani e mais bonita que a do Bagé?
-
Padinho, que horas vai começar o jogo?
E assim
ia perguntando tudo o que tinha direito e o que não tinha, ao passo que era
respondido calmamente por seu padrinho, fazendo-o ver que toda a criança tem
direito a todas as respostas às suas perguntas.
- Olha
a pipoca! Pipoca quentinha! Olhaaa a pipoca!!
O negrinho
cravou os olhos no tabuleiro de pipocas, e meio envergonhado pediu:
-
Padinho, me dá uma pipoca?
De
imediato foi comprada a pipoca para o piá, que brilhou os seus olhinhos, numa
expressão de eterno agradecimento, pois provávelmente foram poucas, ou nenhuma,
as oportunidades que teve de comer um saco de pipocas, e aquilo confortou
bastante o seu protetor.
De
repente, numa gritaria geral, entram em campo os times, e começam a estourar
foguetes, agitam-se as bandeiras, charangas entoam os gritos de guerra, e a
festa vai começar...
E lá
está o Micuim, realizado.
Nem bem
começa o jogo e um grito ao longe se escuta:
- Olha
o picolé, picolé de morango, abacaxi, creme, limão...!!!
-
Picolé baratinho, geladinho, gostosinho!! – grita mais alto o vendedor, vendo
que o seu afilhadinho já botava o olho na caixa de isopor.
Não deu
outra.
-
Padinho, me dá um picolé?
- Qual
o sabor que tu queres?
Micuim
olhou para o padrinho com seus olhinhos de indagação e não soube responder,
pois talvez não saberia escolher de tantas opções que tinham e que ele,
certamente, nunca havia tido esta chance.
-
Qualquer um – disse atônito.
E lá
estava o negrinho saboreando um picolé de morango.
A
partida corria solta, disputada, acirrada e o Micuim de olho nas jogadas, nos
dribles, e mais ainda naquela bola número cinco, branca, reluzente, talvez
imaginando um dia poder ter uma daquelas, sonho de qualquer guri (N.A.-meu
também)
-
Amendoim quentinho, torradinho, quem vai querer???
-
Olhaaa o amendoim, torradinho!!!
Não foi
preciso esperar muito.
-
Padinho, me dá um amendoim?
Depois
desta, a partida passou a ter e ser uma sensação de segundo plano, pois os
vendedores começavam a ter maior significado para o Micuim.
Era
anunciar uma guloseima e o Micuim pedia ao seu padrinho.
Quem
nunca foi assim?
O sonho
de toda a criança, principalmente nestas ocasiões, sempre fica nos balaios e
isopores de qualquer vendedor, pois doces e salgados sempre foram as suas
preferências, e não seria o seu padrinho, com toda a certeza, a desvanecer o
encanto do seu afilhado.
-
Pastel! Olha o pastel de carne e de queijo, tem pastel de galinha, tem pastel
de goiabada!!!
Só me
digam, sinceramente, quem resiste a um pastel, seja numa partida de futebol,
numa carreira, na rodoviária, ou na lancheria de beira de estrada?
-
Padinho, me dá um pastel?
-
Pastel aqui para o meu negrinho bom de bola! – gritou o seu padrinho.
E,
assim foi o tempo todo.
Terminou
o primeiro tempo da partida, veio o segundo, e o Micuim sempre na mesma batida,
o que vendiam, ele pedia.
Ainda
bem que o Guarani estava ganhando a partida, e quando faltava uns dez minutos
para o fim do prélio, para reforçar a defesa e segurar o resultado, o treinador
retira um atacante e coloca o Lambari, jogador de força física, volante de
espantar qualquer perigo que rondasse a sua defesa, aplaudidíssimo pela sua
torcida.
Lá do
alto do pavilhão central do Estádio Estrela D’Alva, o serviço de alto-falante
anuncia a substituição, informando os torcedores:
- Sai
Zé Roberto e entra LAMBARI!!
Sem nem
imaginar o porquê, nosso padrinho por intuição resolveu olhar para o seu
afilhado, quando veio a surpresa (seria surpresa?):
-
Padinho, padinho, me dá um lambari???
E,
novamente, seus olhinhos brilharam de satisfação...
Por onde será que anda o Micuim?
Me deu saudades.
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